terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Conhecer pessoas é fácil

Tomas estava acendendo o primeiro cigarro do dia, depois de tomar uma caneca de café amargo como fazia todas as manhãs. Faziam dez anos que não punha uma única colher de açúcar ou adoçante de qualquer espécie no café. Tomava muito café. Fumava muitos cigarros.
O telefone tocou. Era Jonas. Jonas era o amigo mais antigo de Tomas. Eram amigos desde o ginásio. Partilhavam muitas coisas, vícios, virtudes, paixões e as vezes garrafas de cerveja e gim. Não eram alcoólatras, mas chegaram bastante perto disso durante os anos selvagens da juventude.
Os dois amigos sentiam-se velhos, mesmo não sendo.
'É um sentimento de cidade grande' Dizia Tomas
'Não...é a velocidade do tempo. O ser humano acelerou o tempo, hoje cada hora só tem metade do tempo de antes' Retrucava o amigo de longa data.
Jonas era um solitário. Nunca tivera uma namorada por mais do que quatro ou cinco meses. Se elas não o abandonavam ele acaba por abandona-las. Tinha sido assim com todas. Foi assim com a última, Luzia.
'Jonas, você é o rei da auto-sabotagem' Disse Tomas ao telefone 'Porque largou da Luzia?'
'Ela não gostava dos Stones cara!! Como alguém pode não gostar dos Stones?'
'Nem todo mundo gosta dos Stones Jonas'
'Impossível, são a melhor banda de rock da história'
'Tem coisas melhores'
'Sei...e como vão as coisas por ai Tomas?'
Tomas não sabia se tinha uma resposta para aquela pergunta. 'Como estão as coisas'...era estranho, não estavam tão bem quanto ele imaginava que estariam. Tomas morava sozinho num apartamento em cima de uma padaria. Comprava pouquíssimas coisas. Levava uma vida quase mongil. Tinha pouco de tudo e era rico de nada. Gostava de escrever poemas. Eram seu hobbie. Não que ele fosse muito bom, mas aquilo lhe fazia bem, então ele continuava. Sublimação, era seu segredo para a felicidade.
'Como sempre...atendendo telefones de dia e escrevendo à noite para sublimação.'
'E como andam os poemas ultimamente? Pelo o que me lembro eram bons' Perguntou o amigo.
'Acho que até melhoraram à medida que fico velho'
'A idade nos deixa mais sombrios' Disse Jonas.
'Parece um grande objetivo de vida' falou Tomas apagando o cigarro no cinzeiro que fora de seu pai.' É realmente algo a se desejar. Daqui a vinte anos você vai me perguntar 'o que fez nos últimos vinte anos?' E eu vou responder 'mergulhei na escuridão' '
Os amigos riram juntos ao telefone. Aquilo tudo era um pouco cômico para eles. Passaram a adolescência juntos. Um bando de amigos que sempre estavam juntos. Tomas não se lembrava de todos, Jonas sim...sua memória era social, lembrava-se de rostos, nomes, datas de aniversário, gostos das pessoas. Tomas não. Sempre se esquecia dessas coisas, só se lembrava das coisas que lia, e ele lia muito, as vezes até demais, pelo menos era o que ele achava.
' E como é a escuridão vista de dentro?' Perguntou Jonas.
'Um pouco menos assustadora do que parece de fora. Ela te abraça como uma mãe carinhosa porém homicida'
'Te mata e te cura ao mesmo tempo?'
'Exato! Uma libação negra que cura e mata' Filosofou Tomas 'A dose faz esse veneno'
'A escuridão é como Underberg?'
'Não é como Coca Cola. Pode ser doce e segura, mas te corrói por dentro aos poucos'
'Isso pode te matar Tommy'
'Minha escolha é sincera. A morte é iminente. Vou mergulhar na escuridão'
Os dois amigos riram de tudo aquilo como duas crianças que viram algo bobo. O tipo de coisa da qual a gente ri quando é criança.
'Tomas meu velho, fora trabalhar e escrever poesia voce tem feito algo diferente?'
'Não ultimamente' Tomas falou enquanto pegava outra caneca de café. 'Está sendo difícil até acordar de manhã.
'Meu garoto, voce tem que sair e conhecer pessoas, não pode ficar mergulhado na escuridão o tempo todo'
'Essa é a parte complicada meu velho' Respondeu Tomas bebendo um gole do café 'Conhecer pessoas é difícil'
'Conhecer pessoas é fácil' Respondeu o amigo 'Nosso problema é que selecionamos tudo demais, queremos escolher tudo, e pessoas não são camisetas numa boutique. Com gente é diferente.'
'Para voce tambem é assim?' Perguntou Tomas
'Por alguma razão' Disse Jonas do outro lado da linha 'Nós pensamos demais. Acho que somos atores do método. Para nós é sempre difícil. Certo?'
Tomas pensou por um segundo.
'Não velho amigo. Nós somos chatos demais, essa é a verdade'
Os dois amigos Riram ao telefone. Começou a chover na janela de Tomas.

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