sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Práticas Jurídicas Segundo Doutor Barbuto

Doutor Leônidas Legórnias Barbuto entrou pela porta do escritório naquele dia. Ele estava bêbado. Como sempre.
Sua Secretária Dona Penélope, levantou-se, pegou a caneca do dr Barbuto e encheu-a com café. Café preto, sempre sem açúcar. 'O doutor gosta dele assim' dizia dona Penélope 'Sempre preto e sem açúcar, diz que cura qualquer mal. Era uma das mais importantes atribuições de dona Penélope naquele modesto escritório de advocacia no centro. Não fazer o café, mas se prontificar de curar os porres do patrão, disfarçar 'aquele cheiro estranho de coisa queimada' que saia do escritório de vez em quando, e organizar livros, documentos, e a gaveta mais importante do arquivo do dr Barbuto. A gaveta onde ele afirmava estar o santo graal da genialidade jurídica como ele mesmo chamava.
'O que tem na ultima gaveta Leônidas?' Perguntava Katuko, seu amigo, médico ginecologista, viciado em aspirinas e gay.
'Nesta gaveta está a genialidade jurídica meu caro Katuko...neste momento há neste receptáculo dois sacos de um quilo de erva do maranhão, seis vidros de Percodan, duas caixas de Tramal, dois vidros do mais puro Vicodin, minha ultima dose intravenosa de Demerol, só para emergências...mas ultimamente tenho tentado pegar leve...por isso a garrafa de Captain Morgan o limão e o Lexotan...aliás, tenho açúcar e uma coqueteleira...aceita um Daiquiri dr Katuko?'
'Somente numa taça apropriada por favor' Respondeu Katuko acendendo um cigarro.
'Tenho taças apropriadas para qualquer coisa aqui Katuko, tenha certeza'
'Leônidas meu querido, me diga, porque escolheu o direito?'
'Bom, na verdade eu fui fazer o vestibular bêbado...a inscrição também...ai passei em direito e tudo tem dado certo desde então...'
'Isso é mesmo verdade?'
'Claro que não...meu pai era advogado e eu nunca liguei pra nada, então resolvi ser advogado.'
'Gosta de ter que ler e escrever todos os dias o tempo todo?'
'Gosta de ver vaginas o tempo todo Katuko?' Respondeu Leônidas acendendo um cigarro.
'Ok estamos quites...só gostaria de saber como é a vida de outra pessoa, como é não ser um médico '
Nesse instante dona Penélope chamou dr Barbuto no telefone
'Dr, o Sr. Joneílson Borba está na linha posso transferi-lo?
'Quem caralhos murchos é Joneílson dona Penélope?'
'O Pipoca Dr...'
'Ah o Pipoca?? Passa ele aí dona Pê! Um segundo só Katuko'
Pipoca era um dos melhores clientes do dr Barbuto, aos dezesseis anos Pipoca começou a vender maconha para os amigos de escola, aos vinte e dois já vendia êxtase e cocaína em raves, agora com vinte e seis já evoluíra para o lucrativo mercado das drogas controladas. Além de cliente era habitual fornecedor e contrabandista da maioria das diversões de Barbuto.
'Pipoca seu tratante!! Cadê aquele chá do santo Daime que você me prometeu?'
'Aí Barbuto tá complicado, preciso de um favor seu cara, o mais rápido possível!!'
'Do que é que você precisa moleque?'
'Tem uns caras da vigilância sanitária no portão do meu prédio, acho que vão levar tudo...'
'Tudo o que você tem em casa? Malditos egoístas'
'Dá pra fazer alguma coisa?'
'Acho que dá pra salvar o banquete E o seu rabinho de lambuja Pipoca...'
'Então corre pra cá agora seu nóia, senão não dá pra fazer é nada'
'Só é...demorô maluco tô indo!'

Leônidas abriu a ultima gaveta do arquivo, o Santo Graal, e tirou lá de dentro um dos vidros de Vicodin, colocou-o no bolso do paletó. Fuçou um pouco mais fundo e pegou um revolver calibre 357. e uma caixa de balas, carregou a arma e pôs mais quatro balas no bolso direito do paletó. Pôs os óculos de sol na cara, se virou para Katuko e disse:
'Quer saber o que é advocacia de verdade?'
'Mas é claro que sim!!'
'Então vem comigo...faz um favor, em cima daquela estante de livros tem um taco de beisebol, consegue alcança-lo?'
Katuko e Leônidas entraram no carro do dr e saíram em disparada pelas ruas do centro em direção ao prédio de Pipoca. Furaram pelo menos quatro faróis vermelhos no caminho. Ao chegarem deram de cara com um carro com emblemas da prefeitura onde lia-se
VIGILÂNCIA SANITÁRIA
'Merda, esse idiota tem que fazer burradas e me por em frias' Disse Leônidas
'Calma cara, vai dar tudo certo' Dizia Katuko tentando acalmar o amigo
'Não tenho tanta certeza assim meu velho. Me alcança a pasta no banco de trás sim?'
'Documentos importantes?' Perguntou Katuko
'Não. Vicodin...devia ter trazido vodka...dane-se vamos nessa.'
Os dois se aproximaram do portão do prédio tomando cuidado para não chamar a atenção dos homens da vigilância sanitária. Ao chegarem ao portão Leônidas sacou seu celular.
'Pipoca, como a gente entra nessa droga de prédio??'
'Tem que ter autorização de morador Doutor'
'E voce é o que nessa merda de lugar Pipoca?'
'Morador...'
'Então tá esperando o que pra me autorizar a entrar? O Katuko tá comigo, autoriza ele tambem'
Os dois amigos foram autorizados a entrar no prédio. Tomaram o elevador no saguão e subiram até o décimo andar onde morava o Pipoca. Era um prédio modesto de classe média baixa. No elevador os dois eram tipos estranhos. Katuko de jaleco branco, o cabelo tipo tigela, uma camisa social, calças, meias e sapatos brancos. Katuko era um japonês meio gorducho de trinta e poucos anos. Descobrira sua homossexualidade na faculdade de medicina, depois de optar por especializar-se em ginecologia. As partes íntimas femininas não lhe interessavam de outra maneira a não ser como objeto de estudo. Barbuto por sua vez, assemelhava-se a qualquer coisa, menos à imagem que se faz de um advogado. Não fosse a pasta e o terno nunca que alguém diria tratar-se de um advogado. Seu cabelo era comprido, ondulado e desgrenhado. Usava um cavanhaque enorme que lhe conferia um certo aspecto um tanto 'canino' parecia-se muito com um sheep dog de terno. Usava constantemente, independentemente de horário ou local, óculos escuros tipo 'Ray Ban wayfarer'. Sempre havia em sua boca um cigarro, não importando se estivesse aceso ou apagado, ele sempre estava ali.
Chegaram ao apartamento de Pipoca minutos depois. Antes de tocar a campainha, Leônidas disse à Katuko:
'Agora voce vai entender duas coisas meu caro...'
'Que duas coisas bofe??' Perguntou Katuko assustado
'A arte da prática jurídica, e o amor que meus clientes tem por mim'
Barbuto tocou a campainha engatilhando seu revólver. Pipoca postou-se junto à porta e carregou seu revólver calibre 22, suava como um porco e fedia muito mais do que um. Seu apartamento era uma grande bagunça de caixas de remédios, equipamentos de laboratório, tonéis de produtos químicos e toda uma parafernália que poderia mandar o prédio pelos ares pelo menos dez vezes. Por pura sorte o lugar nunca explodira. Pipoca fazia de tudo ali, mas sua principal atividade era cozinhar cristais de metadona. Isso e fazer contato com farmacêuticos de hospitais para conseguir drogas controladas. As preferidas do Dr. Barbuto.
'Quem é??' Perguntou Pipoca
'É a chapeuzinho vermelho Pipoca, abre essa merda cara!!'
'Como eu vou saber se não é a polícia??' Gritava Pipoca
'Olha no olho mágico moleque' Respondeu Barbuto
Quando o garoto olhou no olho mágico, viu a mão de Barbuto com o dedo do meio em riste. Abriu a porta imediatamente gritando.
'Que história é essa manooo?? Tá querendo me matar? Quem é o japa??'
'Sr Katuko, o taco sim?'
Katuko acertou o taco em cheio no meio da testa de Pipoca. Um golpe certeiro que deixou o garoto desacordado bem no meio da passagem de sua porta de entrada. Os dois amigos recolheram Pipoca do vão e o arrastaram para dentro do apartamento, jogaram-no no sofá da sala, e sentaram-se observando a sala. Era uma bagunça infernal. Leônidas puxou um cinzeiro da mesa de centro e acendeu um cigarro.
Depois de cerca de meia hora Leônidas perguntou para Katuko
'Quanto tempo até ele acordar?'
'Mais uns dez minutos e ele está bom'

Quando Pipoca acordou do golpe na testa, ele percebeu que tinha duas coisas, um enorme e roxo galo na testa e a ponta do cano do revolver de Leônidas na boca. Ele podia ver o galo em sua testa refletido na lente do óculos escuro de Leônidas. Dr Katuko estava atrás do amigo segurando o taco de beisebol. Parecia bastante ameaçador do ponto de vista de Pipoca. Ameaçador demais para um ginecologista gay e gorducho. Leônidas por outro lado tinha um aspecto ameaçador, seu terno estava sujo do sangue do nariz do cliente, seus cabelos sebosos e a barba por fazer lhe conferiam aspecto sujo e desleixado. Pipoca pensou:
'Estou morto...morto pelo meu advogado.'
Subitamente, Leônidas empurrou o cigarro para o canto da boca com a língua, deixou os óculos escorregarem pelo seu longo e torto nariz, até a ponta, soltou a fumaça nos olhos de Pipoca, puxou o cão de sua arma como se para isso fizesse um esforço titânico e disse ao cliente:
'Pipoquinha dos meus colhões...estou de saco cheio de você garoto, estou de saco cheio de resolver tuas paradas, de te tirar do hospital, da delegacia, de dentro da favela, de pagar resgate quando te seqüestram, de costurar facadas que você toma em brigas de boteco por ai. Tô cansado de ser teu advogado, guarda costas, babá e substituto de pai. Cansei véio, sabe do que? Me demito, você que se foda, cuida dos caras da vigilância sozinho ok?'
Barbuto e Katuko andaram até a porta da sala para sairem do apartamento quando sem aviso Pipoca rola no chão sobre uma poça de seu próprio sangue, e tentando apoiar seu peso sobre o braço direito grita
'Barbuto seu porra!! Se você sair por essa porta é um homem morto, vou atrás de você até no inferno!! Me tira daqui cara!!'
O advogado abriu a porta e saiu pera o corredor do prédio seguido por seu amigo médico. Fora do apartamento de Pipoca ainda ouviram o rapaz gritar mais uma vez enquanto o elevador de abria. Eram os homens da Vigilância Sanitária acompanhados de dois policiais militares.
'Vamos cair fora daqui Dr. Katuko'
'Então esse é o tipo de amor que tem pelos seus clientes Leônidas?'
Leônidas acendeu um cigarro enquanto saiam do elevador no térreo do prédio e respondeu.
'Meu caro Katuko, o verdadeiro amor, nem sempre se expressa em beijinhos...as vezes se expressa com tacos de beisebol...'
'Voce ama esse garoto?'
Naquele instante o celular do Dr Barbuto tocou
'Um segundo Katuko...Sr Borba? Sim sim a Vigilância pegou o Joneílson...sim ele vai para a cadeia, quais as ordens? Dois dias no corró? Pode deixar que eu cuido disso, boa tarde para o senhor Sr Borba'
Barbuto se virou para Katuko e disse:
'Odeio esse moleque desde o momento em que pus os olhos nele...mas o pai dele paga muito bem...vamos tomar um café...cortesia do papai do garoto.'

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