sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Práticas Jurídicas Segundo Doutor Barbuto

Doutor Leônidas Legórnias Barbuto entrou pela porta do escritório naquele dia. Ele estava bêbado. Como sempre.
Sua Secretária Dona Penélope, levantou-se, pegou a caneca do dr Barbuto e encheu-a com café. Café preto, sempre sem açúcar. 'O doutor gosta dele assim' dizia dona Penélope 'Sempre preto e sem açúcar, diz que cura qualquer mal. Era uma das mais importantes atribuições de dona Penélope naquele modesto escritório de advocacia no centro. Não fazer o café, mas se prontificar de curar os porres do patrão, disfarçar 'aquele cheiro estranho de coisa queimada' que saia do escritório de vez em quando, e organizar livros, documentos, e a gaveta mais importante do arquivo do dr Barbuto. A gaveta onde ele afirmava estar o santo graal da genialidade jurídica como ele mesmo chamava.
'O que tem na ultima gaveta Leônidas?' Perguntava Katuko, seu amigo, médico ginecologista, viciado em aspirinas e gay.
'Nesta gaveta está a genialidade jurídica meu caro Katuko...neste momento há neste receptáculo dois sacos de um quilo de erva do maranhão, seis vidros de Percodan, duas caixas de Tramal, dois vidros do mais puro Vicodin, minha ultima dose intravenosa de Demerol, só para emergências...mas ultimamente tenho tentado pegar leve...por isso a garrafa de Captain Morgan o limão e o Lexotan...aliás, tenho açúcar e uma coqueteleira...aceita um Daiquiri dr Katuko?'
'Somente numa taça apropriada por favor' Respondeu Katuko acendendo um cigarro.
'Tenho taças apropriadas para qualquer coisa aqui Katuko, tenha certeza'
'Leônidas meu querido, me diga, porque escolheu o direito?'
'Bom, na verdade eu fui fazer o vestibular bêbado...a inscrição também...ai passei em direito e tudo tem dado certo desde então...'
'Isso é mesmo verdade?'
'Claro que não...meu pai era advogado e eu nunca liguei pra nada, então resolvi ser advogado.'
'Gosta de ter que ler e escrever todos os dias o tempo todo?'
'Gosta de ver vaginas o tempo todo Katuko?' Respondeu Leônidas acendendo um cigarro.
'Ok estamos quites...só gostaria de saber como é a vida de outra pessoa, como é não ser um médico '
Nesse instante dona Penélope chamou dr Barbuto no telefone
'Dr, o Sr. Joneílson Borba está na linha posso transferi-lo?
'Quem caralhos murchos é Joneílson dona Penélope?'
'O Pipoca Dr...'
'Ah o Pipoca?? Passa ele aí dona Pê! Um segundo só Katuko'
Pipoca era um dos melhores clientes do dr Barbuto, aos dezesseis anos Pipoca começou a vender maconha para os amigos de escola, aos vinte e dois já vendia êxtase e cocaína em raves, agora com vinte e seis já evoluíra para o lucrativo mercado das drogas controladas. Além de cliente era habitual fornecedor e contrabandista da maioria das diversões de Barbuto.
'Pipoca seu tratante!! Cadê aquele chá do santo Daime que você me prometeu?'
'Aí Barbuto tá complicado, preciso de um favor seu cara, o mais rápido possível!!'
'Do que é que você precisa moleque?'
'Tem uns caras da vigilância sanitária no portão do meu prédio, acho que vão levar tudo...'
'Tudo o que você tem em casa? Malditos egoístas'
'Dá pra fazer alguma coisa?'
'Acho que dá pra salvar o banquete E o seu rabinho de lambuja Pipoca...'
'Então corre pra cá agora seu nóia, senão não dá pra fazer é nada'
'Só é...demorô maluco tô indo!'

Leônidas abriu a ultima gaveta do arquivo, o Santo Graal, e tirou lá de dentro um dos vidros de Vicodin, colocou-o no bolso do paletó. Fuçou um pouco mais fundo e pegou um revolver calibre 357. e uma caixa de balas, carregou a arma e pôs mais quatro balas no bolso direito do paletó. Pôs os óculos de sol na cara, se virou para Katuko e disse:
'Quer saber o que é advocacia de verdade?'
'Mas é claro que sim!!'
'Então vem comigo...faz um favor, em cima daquela estante de livros tem um taco de beisebol, consegue alcança-lo?'
Katuko e Leônidas entraram no carro do dr e saíram em disparada pelas ruas do centro em direção ao prédio de Pipoca. Furaram pelo menos quatro faróis vermelhos no caminho. Ao chegarem deram de cara com um carro com emblemas da prefeitura onde lia-se
VIGILÂNCIA SANITÁRIA
'Merda, esse idiota tem que fazer burradas e me por em frias' Disse Leônidas
'Calma cara, vai dar tudo certo' Dizia Katuko tentando acalmar o amigo
'Não tenho tanta certeza assim meu velho. Me alcança a pasta no banco de trás sim?'
'Documentos importantes?' Perguntou Katuko
'Não. Vicodin...devia ter trazido vodka...dane-se vamos nessa.'
Os dois se aproximaram do portão do prédio tomando cuidado para não chamar a atenção dos homens da vigilância sanitária. Ao chegarem ao portão Leônidas sacou seu celular.
'Pipoca, como a gente entra nessa droga de prédio??'
'Tem que ter autorização de morador Doutor'
'E voce é o que nessa merda de lugar Pipoca?'
'Morador...'
'Então tá esperando o que pra me autorizar a entrar? O Katuko tá comigo, autoriza ele tambem'
Os dois amigos foram autorizados a entrar no prédio. Tomaram o elevador no saguão e subiram até o décimo andar onde morava o Pipoca. Era um prédio modesto de classe média baixa. No elevador os dois eram tipos estranhos. Katuko de jaleco branco, o cabelo tipo tigela, uma camisa social, calças, meias e sapatos brancos. Katuko era um japonês meio gorducho de trinta e poucos anos. Descobrira sua homossexualidade na faculdade de medicina, depois de optar por especializar-se em ginecologia. As partes íntimas femininas não lhe interessavam de outra maneira a não ser como objeto de estudo. Barbuto por sua vez, assemelhava-se a qualquer coisa, menos à imagem que se faz de um advogado. Não fosse a pasta e o terno nunca que alguém diria tratar-se de um advogado. Seu cabelo era comprido, ondulado e desgrenhado. Usava um cavanhaque enorme que lhe conferia um certo aspecto um tanto 'canino' parecia-se muito com um sheep dog de terno. Usava constantemente, independentemente de horário ou local, óculos escuros tipo 'Ray Ban wayfarer'. Sempre havia em sua boca um cigarro, não importando se estivesse aceso ou apagado, ele sempre estava ali.
Chegaram ao apartamento de Pipoca minutos depois. Antes de tocar a campainha, Leônidas disse à Katuko:
'Agora voce vai entender duas coisas meu caro...'
'Que duas coisas bofe??' Perguntou Katuko assustado
'A arte da prática jurídica, e o amor que meus clientes tem por mim'
Barbuto tocou a campainha engatilhando seu revólver. Pipoca postou-se junto à porta e carregou seu revólver calibre 22, suava como um porco e fedia muito mais do que um. Seu apartamento era uma grande bagunça de caixas de remédios, equipamentos de laboratório, tonéis de produtos químicos e toda uma parafernália que poderia mandar o prédio pelos ares pelo menos dez vezes. Por pura sorte o lugar nunca explodira. Pipoca fazia de tudo ali, mas sua principal atividade era cozinhar cristais de metadona. Isso e fazer contato com farmacêuticos de hospitais para conseguir drogas controladas. As preferidas do Dr. Barbuto.
'Quem é??' Perguntou Pipoca
'É a chapeuzinho vermelho Pipoca, abre essa merda cara!!'
'Como eu vou saber se não é a polícia??' Gritava Pipoca
'Olha no olho mágico moleque' Respondeu Barbuto
Quando o garoto olhou no olho mágico, viu a mão de Barbuto com o dedo do meio em riste. Abriu a porta imediatamente gritando.
'Que história é essa manooo?? Tá querendo me matar? Quem é o japa??'
'Sr Katuko, o taco sim?'
Katuko acertou o taco em cheio no meio da testa de Pipoca. Um golpe certeiro que deixou o garoto desacordado bem no meio da passagem de sua porta de entrada. Os dois amigos recolheram Pipoca do vão e o arrastaram para dentro do apartamento, jogaram-no no sofá da sala, e sentaram-se observando a sala. Era uma bagunça infernal. Leônidas puxou um cinzeiro da mesa de centro e acendeu um cigarro.
Depois de cerca de meia hora Leônidas perguntou para Katuko
'Quanto tempo até ele acordar?'
'Mais uns dez minutos e ele está bom'

Quando Pipoca acordou do golpe na testa, ele percebeu que tinha duas coisas, um enorme e roxo galo na testa e a ponta do cano do revolver de Leônidas na boca. Ele podia ver o galo em sua testa refletido na lente do óculos escuro de Leônidas. Dr Katuko estava atrás do amigo segurando o taco de beisebol. Parecia bastante ameaçador do ponto de vista de Pipoca. Ameaçador demais para um ginecologista gay e gorducho. Leônidas por outro lado tinha um aspecto ameaçador, seu terno estava sujo do sangue do nariz do cliente, seus cabelos sebosos e a barba por fazer lhe conferiam aspecto sujo e desleixado. Pipoca pensou:
'Estou morto...morto pelo meu advogado.'
Subitamente, Leônidas empurrou o cigarro para o canto da boca com a língua, deixou os óculos escorregarem pelo seu longo e torto nariz, até a ponta, soltou a fumaça nos olhos de Pipoca, puxou o cão de sua arma como se para isso fizesse um esforço titânico e disse ao cliente:
'Pipoquinha dos meus colhões...estou de saco cheio de você garoto, estou de saco cheio de resolver tuas paradas, de te tirar do hospital, da delegacia, de dentro da favela, de pagar resgate quando te seqüestram, de costurar facadas que você toma em brigas de boteco por ai. Tô cansado de ser teu advogado, guarda costas, babá e substituto de pai. Cansei véio, sabe do que? Me demito, você que se foda, cuida dos caras da vigilância sozinho ok?'
Barbuto e Katuko andaram até a porta da sala para sairem do apartamento quando sem aviso Pipoca rola no chão sobre uma poça de seu próprio sangue, e tentando apoiar seu peso sobre o braço direito grita
'Barbuto seu porra!! Se você sair por essa porta é um homem morto, vou atrás de você até no inferno!! Me tira daqui cara!!'
O advogado abriu a porta e saiu pera o corredor do prédio seguido por seu amigo médico. Fora do apartamento de Pipoca ainda ouviram o rapaz gritar mais uma vez enquanto o elevador de abria. Eram os homens da Vigilância Sanitária acompanhados de dois policiais militares.
'Vamos cair fora daqui Dr. Katuko'
'Então esse é o tipo de amor que tem pelos seus clientes Leônidas?'
Leônidas acendeu um cigarro enquanto saiam do elevador no térreo do prédio e respondeu.
'Meu caro Katuko, o verdadeiro amor, nem sempre se expressa em beijinhos...as vezes se expressa com tacos de beisebol...'
'Voce ama esse garoto?'
Naquele instante o celular do Dr Barbuto tocou
'Um segundo Katuko...Sr Borba? Sim sim a Vigilância pegou o Joneílson...sim ele vai para a cadeia, quais as ordens? Dois dias no corró? Pode deixar que eu cuido disso, boa tarde para o senhor Sr Borba'
Barbuto se virou para Katuko e disse:
'Odeio esse moleque desde o momento em que pus os olhos nele...mas o pai dele paga muito bem...vamos tomar um café...cortesia do papai do garoto.'

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O suíno natalino

Na noite de Natal Arnaldo apareceu na casa de sua noiva Luciana com um porco. Na verdade era um leitão, um pequeno leitãozinho. Vivo, por sinal. O pai de Luciana Sr Vieira, foi o primeiro a se manifestar
'Pôxa...excelente idéia Arnaldêra...' Sr Vieira , taxista haviam quarenta anos, sempre chamava o rapaz assim, Arnaldêra. '...vai ser o prato principal do ano novo' Disse o velho taxista enquanto piscava o olho para o rapaz.
'Não Seu Vieira...' Disse Arnaldo meio sem jeito '...o animalzinho é um presente pra Lu...'
Luciana por sua vez não sabia o que dizer, nunca havia ganhado um porco de presente. Na verdade, nunca havia tido animal nenhum. Nem mesmo aqueles peixinhos dourados de parque de diversão, nunca, sua mãe Dona Sônia detestava animais de todos os tipos 'Os peludos, os escamosos, os empenados...' Dizia ela '...foram feitos pelo criador para ficarem soltos, não dentro de casa. A besta não deve habitar onde habita o homem'. Ela dizia. Dizia que estava na bíblia, mas nunca soube dizer onde. Detestou o porco desde o momento em que bateu os olhos nele 'Animal sujo' Disse Dona Sônia. 'certos estão os judeus de abominarem esse bicho.
Arnaldo ficou sentido,mas insistiu que o animalzinho tinha suas qualidades, aliás, inúmeras segundo ele.
'Vejam bem, porcos são mais inteligentes que cães, tem o faro mais apurado e não são animais sujos como se pensa, são excelentes animais de estimação.' Defendeu o rapaz 'E além disso são excelente companhia'
'E são deliciosos assados' Completou Sr Vieira 'Esse quando estiver gordinho'
'Mas nem pensar' Rebateu Arnaldo 'O Delfim não vai virar assado!!'
'Você deu nome pra um porco Arnaldo??' Respondeu Luciana inconformada 'Eu não acredito'
'Não é um simples porco amorzão!! É o Delfim, ele é um porco especial!!'
'E o que ele tem de especial Arnaldo??'
Arnaldo não soube responder na hora. Na verdade não havia resposta para aquilo. Fora o nome, Delfim era um porco comum. Tão ou mais comum que qualquer outro porco. Um porco. E só. Porém Arnaldo, impávido e resoluto defendeu sua posição.
'O Delfim é um excelente presente!! E vai ser um excelente animal de estimação se lhe derem amor e carinho!!!'
Sr. Viera riu até não agüentar ' Amor e carinho?? Prum porco Arnaldêra?? hahahah Essa foi ótima rapaz!!'
'Todos os animais merecem respeito Sr. Viera' Replicou Arnaldo 'É um ser vivo como nós'
'Chega!!!' Gritou Luciana 'O namorado é meu, e o porco aparentemente também!! Então eu resolvo isso!! Tudo mundo pra dentro!!'
Dona Sônia gritava desesperadamente 'Eu não quero esse animal na minha casa!! De jeito nenhum!!!'
Sr. Vieira pondo a mulher para dentro dizia 'Sônia fica quieta, deixa a menina resolver isso.'Antes de entrar olhou para o porco e disse para sí mesmo 'Que pururuca esse ai daria...'
A moça ficou no portão com Arnaldo e Delfim tentando entender a situação e se perguntando porque com ela. O que ela havia feito para merecer aquilo. Arnaldo sempre fora um rapaz bom e para todos os efeitos 'normal'. O que ele queria com aquilo? Arruinar tudo?? Acabar com sua reputação de rapaz bom direito e de família?
'Porque Arnaldo? Porque um porco??'
'O nome dele é Delfim...é um porco especial ele...
'Chega Arnaldo!!' Respondeu Luciana 'Chega dessa loucura. Suma daqui, não quero ver voce nem esse porco nunca mais!!!'
'Mas Lu...amor...'
'Chega Arnaldo suma daqui agora!!' Gritou Luciana Novamente
'Se quiser pode deixar o porquinho ai Arnaldêra' Disse Sr. Vieira esperançoso.

Arnaldo não deixou o porco. Levou o animalzinho com ele. No banco do passageiro de seu Passat 86. Parou num bar, o único aberto na noite de Natal. Havia uma faixa sobre a porta dizendo 'Bar Ultima chance. Lar dos corações solitários'
O rapaz entrou pela porta do Ultima chance com o porco ao seu lado. Era realmente um animal fiel e inteligente como ele dizia. Os dois barmen no lugar não acreditaram no que viram. Por mais estranhas que fossem as pessoas no Ultima na noite de natal, ninguém entrava ali sequer com um cachorro, que dirá com um porco...
'Isso ai é um porco amigo??' perguntou Nelson o ajudante de bar enquanto secava um copo tumbler.
'É sim...o nome dele é Delfim' respondeu Arnaldo
'Que nem o Delfim Neto?' Disse Pedro o chefe do bar 'Gostei do nome...vai tomar o que rapaz?'
'Uma Cuba Libre acho...' Respondeu Arnaldo sem jeito.

Edna entrou no bar naquele momento. Eram onze e vinte da noite e ela tinha sido liberada mais cedo do turno da noite na loja de conveniência do posto de gasolina onde trabalhava. Sem família na cidade, a moça foi 'comemorar' o natal no Ultima Chance, o lar dos corações solitários.
Quando Edna entrou, Arnaldo e Delfim lhe chamaram a atenção. O pessoal no Ultima Chance era estranho, mas um cara com um porco do lado?? Parecia demais até para aquele bar.
'Belo porco...é para a ceia?' perguntou a moça
'Não...é de estimação...'
'Estimação? Então ele tem um nome certo??'
'Tem sim, é Delfim'
'Delfim? Adorei o nome, o meu é Edna e o seu?'
'É Arnaldo...'
'Arnaldo, Delfim e Edna...sabe, acho que é o começo de uma amizade'
Naquele instante o relógio do Ultima Chance bateu meia noite. Era natal. Pedro se aproximou do trio e estendeu duas taças de Kir Royal.
Feliz Natal pessoal
Feliz Natal responderam os dois
Óinc...respondeu Delfim

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Easy Busy - Trabalho Fácil

No dia em que morri fui levado à presença de Lúcifer.
Ele me disse, assim que alcancei as margens de pedra de seu lago de fogo:
'Está condenado ao tormento eterno'
'Como? Assim sem julgamento?'
'Pela lei dos homens teria um julgamento, mas não nos meus domínios'
Pensei um pouco naquilo e olhei seu rosto.
Na verdade, Lucífer não era como eu imaginava.
Ele não se parecia um monstro.Seu rosto era fino e comprido, lábios finos, sem barba ou bigodes, parecia-se com qualquer outra pessoa, excepto pelo par de asas quebradas em suas costas.
'O que aconteceu com suas asas?'
'Quebraram na queda'
'Ah...é bomo trabalho de carrasco de almas?'
'Sim...pelo menos é mais fácil que tentar salva-las...'

Coronel Mostarda com Candelabro no hall de entrada

Dona Rosa era uma senhora aposentada que vivia sozinha num prédio muito antiga da zona sul de São Paulo desde que seu marido falecera dez anos antes. Nascida e criada na cidade, viu de tudo, de vizinhos fofoqueiros, a assaltos horrorosos que terminavam em mortes brutais e manchetes de jornalecos populares.
Como a maioria dos aposentados, dona Rosa acordava todos os dias muito cedo, fazia o café, e ia comprar pão. Dois pãezinhos, Severino, o rapaz do balcão já sabia de cor.
'Bom dia dona Rosa! Dois pãezinhos e um litro de leite?'
'Bom dia Severino; Isso mesmo, e uma Aviação por favor'
A idosa saia da padaria Flor de lis que sempre esteve lá, e comprou no jornaleiro o Noticias Populares, o jornal que torcendo saia sangue. Por alguma razão, Dona Rosa gostava de jornais sensacionalistas, onde a maioria das notícias eram sobre crimes, de simples furtos até triplos e quádruplos homicídios, passando por estupros, overdoses e toda uma gama de atos violentos e desumanos investigados pela polícia.
A solitária senhora voltou para seu prédio onde morou metade de sua vida e entrou pela porta do hall que sempre rangia. Reclamou com Cícero, o zelador que naquele momento conversava com Melquisedeque, o porteiro que dizia:
'Não Cisso...do jeito que tá não dá...
'Eu já te disse Melqui...com esse técnico, a seleção só perde...'
'Tambem...' Dizia Melquisedeque revoltado 'Ali não tem craque!'
'Mas e a porta se Cisso!!' Dizia Dona Rosa
'Calma dona Rosa...prá semana eu conserto isso...'
Não consertou. Não consertou do mesmo jeito que a faxineira que não limpou o hall direito, nem pôs água nas plantas. O prédio as vezes parecia jogado às traças, ninguém cuidava das áreas comuns. Ninguém cuidava de nada. Quase não haviam reclamações.
A maioria dos moradores atrasavam seus aluguéis e condomínios por meses, por isso poucos reclamavam. Na verdade, a exceção era dona Rosa, e o vizinho do apartamento de frente, um coronel aposentado da policia militar chamado Martinez. Certa manhã, o coronel Martinez saiu para fazer compras no supermercado e voltou rapidamente com um grande saco de papel pardo nas mãos. Não conseguindo abrir a porta do prédio, pediu ajuda a uns adolescentes que tentaram pegar o saco para ajuda-lo. O velho coronel não aceitando que pegassem suas compras, puxou o saco para sí rasgando-o e assim revelando o conteúdo deste. Mostarda. Potes e potes de mostarda ordinária. Os adolescentes viram. Cicero viu. Melquisedeque viu, e a partir daquele dia, Martinez ficou conhecido como Coronel Mostarda.
'Bom dia coronel Mostarda'
'Lá vai o Mostarda, como vai??'
Isso tirava o velho do sério. Queria matar todo mundo quando isso acontecia. Os 25 anos de serviço na Polícia nunca o haviam tirado do sério. Ladrões, estupradores, seqüestradores; nada revoltava tanto o velho militar...mas aquilo, aquele apelido...Mostarda...era demais.
Um dia Martinez decidiu: mataria o primeiro que o chamasse de coronel Mostarda. E mataria com o que tivesse nas mãos.
Como fazia todos os dias, dona Rosa acordou cedo e foi até a padaria comprar seus pãezinhos, leite e manteiga. No mesmo instante em que a senhora saiu de seu apartamento, o Coronel saiu do apartamento em frente.
Cruzaram-se no corredor ao lado do extintor de incêndio. Dona Rosa com a carteira nas mãos, e 'Mostarda' de tênis e moleton. Pronto para sua caminhada matinal
'Bom dia Dona Rosa'
'Bom dia Coronel...'
Dona Rosa desceu pelo elevador junto com o coronel. A porta do térreo ainda estava quebrada. Ao chegarem lá, Cícero não estava ali, fora fazer um café. O coronel abriu a porta para a sexagenária, que no exato momento se lembrou do 'nome' do militar
'Obrigada' Disse Dona Rosa 'Coronel Mostarda'
O sangue ferveu nas veias do militar. Passaram-lhe pela mente todos os nos de chumbo servidos nas Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar. Sua revolta naquele hall de entrada foi tão grande que tomou nas mãos o objeto que lhe estava mais próximo. Um velho e agora inútil candelabro de bronze que agora servia de enfeite para o hall. Golpeou a nuca da velha até quase arranca-la. O sangue vertia pelo piso de pastilhas. Ele largou li a arma do crime e foi para o bar da esquina tomar um café com leite.
Meia hora se passou. O corpo da sexagenária jazia no hall secundado pelo candelabro e cercado de peritos e policiais que teciam toda sorte de hipóteses sobre o crime. Tentativa de assalto, Vingança, tentativa frustrada de estupro; fraude de seguro de vida...
'Pode ter sido qualquer coisa' Dizia o perito
'Ela pode ter derrubado o candelabro na cabeça...velho vive caindo' Disse um soldado da guarda municipal.
Naquele instante, a porta se abriu e o Coronel Martinez olhando com ódio para todos disse
'Bando de imbecis! Querem saber que matou a velha? Quem matou a velha...'

Meio dia. Instituto Médico Legal. São Paulo. O rabecão dirigido pelo Barata chega preguiçoso. Walter desce com o corpo de Dona Rosa.
'Alfredo!! ' Grita Walter 'Vem receber o presunto aqui!!'
'Calma ai Walter!!' responde Alfredo enquanto apaga o cigarro. 'Que houve com a velha?'
'Deram com um candelabro na cabeça dela...'
'Puta merda...jeito foda de morrer...candelabro na cabeça...'
'É...sobretudo pra quem morre...assina aqui Alfredo...'
'E quem foi que fez isso Walter?'
'Olha...disseram que foi um tal de Coronel Mostarda no hall de entrada de um prédio...'
'Coronel Mostarda com Candelabro no hall de entrada...já ouvi isso em algum lugar...
'É...provavelmente num jornaleco popular' Respondeu Walter.

Remoção de resíduos

Certo, esse cara tinha um emprego realmente horrível, mais horrível do que qualquer coisa que alguém possa acabar pegando no desespero, mas que apesar de tudo pagava relativamente bem em comparação com outros serviços.
O nome desse cara era Walter, e ele era técnico de remoção de resíduos hospitalares, o que significa que ele era o lixeiro do hospital. No começo era tranqüilo, tirava fraldões sujos, esparadrapos e bandagens, e isso era o máximo que fazia, mas depois de um certo tempo, o cara tinha que começar a tirar dedos amputados, braços gangrenados e outras coisas que por respeito era melhor não comentar, mas que Walter e o Barata, o cara que dirigia a van da remoção de resíduos, já não se importavam mais em ver ou comentar.
'Que merda você jogou ali Walter?' Perguntava o Barata
'Só mais uma perna' Respondia o Walter
'Deve ser foda perder uma perna'
'Sobretudo pra quem perde né?'
'Pô isso me lembrou uma coisa, oque acha de parar naquela churrascaria?'
'É...boa idéia...será que ainda fazem perna de porco?'
'Sei lá...não como porco...'
'Porra você é judeu Barata?'
'Não caceta...eu só não curto porco véio...'
A hora do almoço passou e eles não pararam em lugar nenhum. O Barata largou o Walter na porta do prédio dele no centro quando bateu seis e meia da tarde no relógio da catedral.
O prédio onde o Walter morava era uma bela de uma espelunca, onde nada funcionava direito, a metade dos moradores tinha subempregos horríveis, ou nenhum emprego, e a outra metade eram prostitutas e travestis velhos que só marcavam programas por telefone. Daqueles que colam adesivos nos orelhões.
Aquele prédio devia ter uns cem anos de idade, e aparentava ter uns duzentos de tão mal conservado que estava, totalmente abandonado. Quando chovia, a goteira de um apartamento atravessava o piso e caia no apartamento de baixo.
Os aluguéis eram ridiculamente baixos, o condomínio era ainda mais barato, logo o prédio era atulhado de gente esquisita que formava uma vizinhança horrível. Mas Walter nem se importava. Ele vivia ali sozinho, sem ninguém para incomodar, só ele seus trecos velhos e seu Opalão dourado 'setenove' que ficava no estacionamento do outro lado da rua. Trinta contos por mês, mas o cara do caixa fazia por vinte e cinco.
No apartamento de frente morava uma turma no mínimo curiosa. Pareciam um tipo de família desfuncional. Como os apartamentos eram relativamente grandes ali, muitas pessoas acabavam vivendo neles, e naquele em particular moravam duas prostitutas, e um travesti velho que tinha duas bolotas estranhas de silicone como peitos. O cara era tão velho que deve ter sido travesti na babilônia, talvez o primeiro da civilização.
Naquela noite em que o Barata deixou Walter em casa, ele ouviu um barulho esquisito no apê da turma da pesada. Ele estava pegando uma cerveja na cozinha quando escutou tudo, era uma conversa. Um velhinho dizia assim:
'Porra, eu não acredito!! Seu grandessíssimo filho de uma puta!! Você não me disse nada!!'
'Eu achei que você soubesse vovô...'
'No seu anúncio não dizia nada disso!! Dizia 'Shirley bunduda dote 35!!!'
'Exatamente tio...nem um centímetro à menos...'
'Cacete esse é o problema viado!!!'
'O cacete é o problema??'
'Mas é claro que é!!! Eu achei que você fosse mulher!!!'
'Peraí vovô, o que você vai fazer com isso??'
'Se você quer se mulher, não precisa disso'
Walter ouviu um grito horroroso vindo do apartamento. A porta bateu, e logo em seguida alguém praguejou contra o elevador. Uma hora depois, o andar estava cheio de policiais. Dois peritos da polícia chegaram e examinavam o local, depois de uns vinte minutos, estavam conversando na porta do apartamento de Walter.
'Putz, esse se fodeu bonito ein? Sangrou até morrer...'
'Também arrancaram o pau do cara com uma torquês...'
'É...e a gente tem que examinar isso...'
'É... mas tem serviço pior...'
'É? Tipo qual??'
'Imagina o coitado do filho da puta que tem que recolher aquela caceta morta do chão...deve ser uma merda ter que pegar aquilo e levar embora...'
'Sobretudo pra quem leva' Pensou Walter enquanto olhava o céu da cidade pela janela.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Let's get it on

Então, tentando escrever um roteiro grande, mas grande mesmo, pelo menos pra mim é grande hahaah 60 páginas, acho que fiz umas cinco entre ontem e hoje...se continuar nesse ritmo roteiro tá pronto no natal hahaha
É uma história policial bizarra que eu bolei um tempo atrás, não sabia como acabar ela mas pensei num final firmeza outro dia dentro do ônibus.
Acho que vai rolar legal, pelo menos espero que róle
Até, amanhã acho que posto um conto...ou depois, ou semana que vem, ou nunca sei lá hahaha a idéia é essa