quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Coronel Mostarda com Candelabro no hall de entrada

Dona Rosa era uma senhora aposentada que vivia sozinha num prédio muito antiga da zona sul de São Paulo desde que seu marido falecera dez anos antes. Nascida e criada na cidade, viu de tudo, de vizinhos fofoqueiros, a assaltos horrorosos que terminavam em mortes brutais e manchetes de jornalecos populares.
Como a maioria dos aposentados, dona Rosa acordava todos os dias muito cedo, fazia o café, e ia comprar pão. Dois pãezinhos, Severino, o rapaz do balcão já sabia de cor.
'Bom dia dona Rosa! Dois pãezinhos e um litro de leite?'
'Bom dia Severino; Isso mesmo, e uma Aviação por favor'
A idosa saia da padaria Flor de lis que sempre esteve lá, e comprou no jornaleiro o Noticias Populares, o jornal que torcendo saia sangue. Por alguma razão, Dona Rosa gostava de jornais sensacionalistas, onde a maioria das notícias eram sobre crimes, de simples furtos até triplos e quádruplos homicídios, passando por estupros, overdoses e toda uma gama de atos violentos e desumanos investigados pela polícia.
A solitária senhora voltou para seu prédio onde morou metade de sua vida e entrou pela porta do hall que sempre rangia. Reclamou com Cícero, o zelador que naquele momento conversava com Melquisedeque, o porteiro que dizia:
'Não Cisso...do jeito que tá não dá...
'Eu já te disse Melqui...com esse técnico, a seleção só perde...'
'Tambem...' Dizia Melquisedeque revoltado 'Ali não tem craque!'
'Mas e a porta se Cisso!!' Dizia Dona Rosa
'Calma dona Rosa...prá semana eu conserto isso...'
Não consertou. Não consertou do mesmo jeito que a faxineira que não limpou o hall direito, nem pôs água nas plantas. O prédio as vezes parecia jogado às traças, ninguém cuidava das áreas comuns. Ninguém cuidava de nada. Quase não haviam reclamações.
A maioria dos moradores atrasavam seus aluguéis e condomínios por meses, por isso poucos reclamavam. Na verdade, a exceção era dona Rosa, e o vizinho do apartamento de frente, um coronel aposentado da policia militar chamado Martinez. Certa manhã, o coronel Martinez saiu para fazer compras no supermercado e voltou rapidamente com um grande saco de papel pardo nas mãos. Não conseguindo abrir a porta do prédio, pediu ajuda a uns adolescentes que tentaram pegar o saco para ajuda-lo. O velho coronel não aceitando que pegassem suas compras, puxou o saco para sí rasgando-o e assim revelando o conteúdo deste. Mostarda. Potes e potes de mostarda ordinária. Os adolescentes viram. Cicero viu. Melquisedeque viu, e a partir daquele dia, Martinez ficou conhecido como Coronel Mostarda.
'Bom dia coronel Mostarda'
'Lá vai o Mostarda, como vai??'
Isso tirava o velho do sério. Queria matar todo mundo quando isso acontecia. Os 25 anos de serviço na Polícia nunca o haviam tirado do sério. Ladrões, estupradores, seqüestradores; nada revoltava tanto o velho militar...mas aquilo, aquele apelido...Mostarda...era demais.
Um dia Martinez decidiu: mataria o primeiro que o chamasse de coronel Mostarda. E mataria com o que tivesse nas mãos.
Como fazia todos os dias, dona Rosa acordou cedo e foi até a padaria comprar seus pãezinhos, leite e manteiga. No mesmo instante em que a senhora saiu de seu apartamento, o Coronel saiu do apartamento em frente.
Cruzaram-se no corredor ao lado do extintor de incêndio. Dona Rosa com a carteira nas mãos, e 'Mostarda' de tênis e moleton. Pronto para sua caminhada matinal
'Bom dia Dona Rosa'
'Bom dia Coronel...'
Dona Rosa desceu pelo elevador junto com o coronel. A porta do térreo ainda estava quebrada. Ao chegarem lá, Cícero não estava ali, fora fazer um café. O coronel abriu a porta para a sexagenária, que no exato momento se lembrou do 'nome' do militar
'Obrigada' Disse Dona Rosa 'Coronel Mostarda'
O sangue ferveu nas veias do militar. Passaram-lhe pela mente todos os nos de chumbo servidos nas Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar. Sua revolta naquele hall de entrada foi tão grande que tomou nas mãos o objeto que lhe estava mais próximo. Um velho e agora inútil candelabro de bronze que agora servia de enfeite para o hall. Golpeou a nuca da velha até quase arranca-la. O sangue vertia pelo piso de pastilhas. Ele largou li a arma do crime e foi para o bar da esquina tomar um café com leite.
Meia hora se passou. O corpo da sexagenária jazia no hall secundado pelo candelabro e cercado de peritos e policiais que teciam toda sorte de hipóteses sobre o crime. Tentativa de assalto, Vingança, tentativa frustrada de estupro; fraude de seguro de vida...
'Pode ter sido qualquer coisa' Dizia o perito
'Ela pode ter derrubado o candelabro na cabeça...velho vive caindo' Disse um soldado da guarda municipal.
Naquele instante, a porta se abriu e o Coronel Martinez olhando com ódio para todos disse
'Bando de imbecis! Querem saber que matou a velha? Quem matou a velha...'

Meio dia. Instituto Médico Legal. São Paulo. O rabecão dirigido pelo Barata chega preguiçoso. Walter desce com o corpo de Dona Rosa.
'Alfredo!! ' Grita Walter 'Vem receber o presunto aqui!!'
'Calma ai Walter!!' responde Alfredo enquanto apaga o cigarro. 'Que houve com a velha?'
'Deram com um candelabro na cabeça dela...'
'Puta merda...jeito foda de morrer...candelabro na cabeça...'
'É...sobretudo pra quem morre...assina aqui Alfredo...'
'E quem foi que fez isso Walter?'
'Olha...disseram que foi um tal de Coronel Mostarda no hall de entrada de um prédio...'
'Coronel Mostarda com Candelabro no hall de entrada...já ouvi isso em algum lugar...
'É...provavelmente num jornaleco popular' Respondeu Walter.

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